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MP 927 caducou em 20 de julho de 2020

Escrito por Rivera Vieira (OAB/SC 41213-A), advogado do SLPG.

Infelizmente, desde que o estado de calamidade foi decretado no Brasil, e apesar das medidas anunciadas pelo governo Bolsonaro para, supostamente, combater a pandemia do coronavírus e proteger a economia, o que podemos constatar até o momento são resultados opostos aos que se almejavam, ao menos publicamente.

É notório o desprezo do governo Bolsonaro pelas medidas recomendadas por especialistas e autoridades da área da saúde, sejam de organismos internacionais, como a Organização Mundial da Saúde, ou mesmo ministros da saúde de seu próprio governo. Com isso já são mais de 2 milhões de infectados pelo coronavírus no Brasil, e segundo as estimativas oficiais mais de 76 mil vidas foram perdidas.

Apesar do governo Bolsonaro propagandear o slogan “O Brasil não pode parar”, no dia 30 de junho deste ano o IBGE divulgou que o nosso País atingiu o mais baixo nível de emprego desde 2012, e pela primeira vez o número de desempregados supera o número de empregados. Conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), no primeiro trimestre de 2020 foram perdidos 2 milhões de empregos formais e 5,8 de ocupações informais, aquelas em que os trabalhadores não têm direitos trabalhistas. O Brasil chegou em junho ao número de 12,7 milhões de desempregados, aos quais devem ser somados 5,4 milhões de pessoas que desistiram de procurar ocupação, os chamados desalentados.

As medidas provisórias MP 927 e 936 adotadas pelo governo Bolsonaro se comprovam incapazes de reduzir os impactos sociais e econômicos decorrentes da pandemia do coronavírus, e especialmente, não evitaram as demissões em massa que supostamente visavam evitar.

Apesar da mutilação de direitos fundamentais dos trabalhadores nenhum dos objetivos das medidas provisórias MP 927 e 936 foram alcançados. E mesmo para quem está mais inclinado a se preocupar com os empresários do que com a classe trabalhadora, precisa constatar o fato de que a política de Bolsonaro também resultou numa situação desastrosa para as pequenas e médias empresas. De acordo com o IBGE, somente na segunda quinzena de junho 716.372 empresas fecharam as portas definitivamente no Brasil.

E eis agora a notícia de que o Senado retirou da pauta de votação a Medida Provisória 927/2020, ou seja, a MP 927 caducou em 20/07/2020.

Ao menos por enquanto deixam de existir as normas que permitem a prevalência dos acordos individuais sobre a Lei e às normas coletivas, acordos que tratavam da imposição de teletrabalho, da compensação de jornadas e o estabelecimento de banco de horas pelo prazo de 18 meses somando saldo negativo. Também deixa de existir autorização para o parcelamento do FGTS e a autorização para antecipação de férias por até 3 anos. Voltam a ser obrigatórios o exame das condições de saúde do trabalhador para sua admissão e dispensa, está restabelecida a obrigatoriedade de prestação de treinamentos conforme previsto nas normas regulamentadoras de segurança e saúde no trabalho, as quais tiveram sua aplicabilidade suspensa em plena pandemia do Covid-19 e, igualmente, deixa de existir impedimento para medidas administrativas de fiscalização sobre descumprimento da legislação trabalhista.

A retirada de pauta da MP 927 também traz a tona a realidade de que devem ser revistas senão anuladas todas políticas atentatórias aos direitos sociais, e contrárias à garantia de proteção, à saúde e à vida da população.

Importa destacar que o STF - fazendo a vez de garantidor da política nefasta de ataque aos direitos trabalhistas - se antecipou e julgou constitucional a MP 936 expondo os trabalhadores à negociação direta com empregadores, quando julgou a ADI 6363 e derrubou a última barreira constitucional estabelecida contra a redução de salários, que somente podiam ocorrer mediante a negociação coletiva, instrumento indispensável à efetivação da proteção do sindicato. A decisão da ADI 6363 permitiu a redução proporcional de jornada de trabalho e de salários, bem como a suspensão temporária do contrato de trabalho, por acordo individual entre trabalhador e patrão; o STF pisoteou assim os arts. 7º, VI, XIII e XXVI, e 8º, III e VI, da Constituição e suspendeu a prerrogativa dos sindicatos de exercer a defesa da classe trabalhadora, quando mais precisavam, em meio à pandemia.

Ao julgar a ADI 6363, o STF abraçou o argumento de que a única alternativa para o momento de crise seria a redução de salários e jornadas, bem como, que a participação dos sindicatos frustraria a necessidade de pronta resposta à crise. No entanto, o alastramento descontrolado do coronavírus e o colapso da economia são resultados nefastos das políticas do governo Bolsonaro, e não da ação dos sindicatos, restando evidente que a preocupação em acolher os argumentos do governo não passavam de manifestação da ânsia pela derrocada dos direitos trabalhistas, pela instituição do estado ultraliberal e a aniquilação da capacidade da classe trabalhadora de influir nos rumos de sua própria vida.

Vale ressaltar que a limitação de efeitos da MP 927 já estava contida na própria MP nos seus objetivos, o que foi reiterado no relatório do Deputado CELSO MALDANER, ou seja, se tratavam de normas que poderiam ser adotadas pelos empregadores enquanto durar o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020 e até quando tivessem vigência, o que deixou de existir em 20/07/2020.

Agora resta a dúvida, qual efeito prático nas vidas, nos contratos de trabalho e nos direitos sonegados durante o período de vigência dos acordos forçados? Que prejuízo foram impostos aos trabalhadores? Existem bancos de horas negativos? Horas extras não pagas? Férias antecipadas?

A CLT, a Constituição Federal, as Convenções da OIT afirmam que os direitos violados e/ou sonegados devem ser exigidos, os acordos devem ser revisados, especialmente aqueles cujo efeitos nefastos se prolongarem para além da vigência da malfadada MP 927.

Urge sejam adotadas medidas de proteção das vidas, restabelecimento dos salários e revisão dos acordos que possibilitaram o teletrabalho, a antecipação de férias individuais, a concessão de férias coletivas, o aproveitamento e a antecipação de feriados, o banco de horas, e todas as medidas impostas sem a participação dos sindicatos.

Nas atividades de saúde, devem ser restabelecidos os limites legais para imposição de horas extras de modo a ser protegida a saúde e condições de vida digna dos trabalhadores, eis que está afastada a aplicabilidade de acordos impostos sob a autorização do art. 26 da MP 927.

A todos os trabalhadores e trabalhadoras que se sentiram lesados por medidas tomadas pelo governo ou por seus patrões neste período de pandemia, recomendo que procurem por sindicatos e advogados de sua confiança e exijam de volta os seus direitos.


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