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MP 927 e 936: respostas ao Covid-19 ou ataques aos direitos fundamentais dos trabalhadores?

Por Rivera Vieira (OAB/SC 41213-A), advogado do SLPG.

Segundo Bolsonaro, a finalidade das duas medidas provisórias - MP 927 e MP 936 - que o seu governo editou recentemente é reduzir os impactos sociais e econômicos decorrentes da pandemia do coronavírus, garantindo a renda, o emprego e a continuidade das atividades econômicas.

No entanto, apesar do discurso, a atuação concreta do Governo Bolsonaro se destina à proteção das empresas privadas em detrimento evidente dos trabalhadores. Além da redução da renda e da mutilação de direitos fundamentais, o Governo aproveita o momento para avançar com a política de ataque às entidades sindicais que já é aplicada desde a reforma trabalhista de 2017, restringindo ainda mais a possibilidade de os sindicatos atuarem na defesa da classe trabalhadora..

Fato notório é a intenção de afastar a atuação sindical a partir da permissão de formalização de acordos individuais entre trabalhador(a) e patrão sem a participação das entidades de classe, mesmo quando a constituição literalmente exige a negociação coletiva como elemento indispensável à validade dos acordos.

Expressão literal da afirmação anterior está no art. art. 2º da MP 927, o qual estabelece a prevalência do negociado individualmente à Lei e às normas coletivas.

A MP 927, por acordo individual permite a imposição de teletrabalho, a compensação de jornadas e o estabelecimento de banco de horas pelo prazo de 18 meses somando saldo negativo que pode forçar o trabalhador a cumprir horas extras sem o pagamento de adicional até que “quite” o saldo negativo.

A MP 927 também permite por até 3 anos a antecipação de férias o que pode fulminar o direito ao descanso depois de 12 meses de trabalho, indispensável à recuperação da saúde.

Medida tão contraditória quanto às demais, mas anda mais ilógica, está no artigo 15 e 16 da MP 927 que permitem a admissão e a dispensa de trabalhadores sem a realização de exames médicos e desobriga os empregadores de dar treinamentos previstos em normas regulamentadoras de segurança e saúde no trabalho. A medida é absurda, tendo presente o discurso de que a MP 927 se propõe a trazer medidas necessárias ao enfrentamento da pandemia do Covid-19, situação esta que impõe medidas que aumentem a proteção à saúde dos trabalhadores e não as atenuem.

Ainda em sentido contrário do que era esperado como medida de proteção, específica para trabalhadores da área da saúde, está no art. 29 da MP 927, o qual afasta a possibilidade de presunção do nexo de causalidade entre o adoecimento por Covid-19 e o trabalho e impõe a prova de que o adoecimento ocorreu na execução do trabalho. A lei 8.21391 no art. 20 já equipara a doença a acidente do trabalho se a atividade laboral é caracterizada pelo risco. Portanto, a imposição da prova do nexo causal prejudica o trabalhador, posto que dificulta o acesso a garantias decorrentes do reconhecimento de que o adoecimento tem origem no trabalho, como por exemplo a garantia de emprego prevista no art. 118 da Lei 8.213/91.

No art. 31 a MP 927 estabelece a suspensão das medidas administrativas de fiscalização, impedido a atuação em casos de descumprimento da legislação trabalhista justamente no momento em que são mais necessária.

A MP 927 trazia no artigo 18 a previsão de redução de jornadas e suspensão dos contratos de trabalho, sem sequer garantir renda substitutiva ao salário e sem garantir previsão de participação dos sindicatos, violando direta e literalmente o art. 7º, VI, da Constituição Federal.

Em razão da reação enérgica da classe trabalhadora o governo lançou mão da MP 936 que supostamente traria a solução para a aberração instituída no art. 18 da MP 927. No entanto, a MP 936 renovou a intenção de entregar os trabalhadores à negociação irrestrita com empregadores ao manter a posição anterior de contrariar o direito fundamental de negociação coletiva com participação do sindicatos.

A MP 936 instituiu o pagamento de Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda a ser pagos nas hipóteses de redução proporcional de jornada de trabalho e de salários e da suspensão temporária do contrato de trabalho. O valor do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda terá como base de cálculo o valor mensal do seguro-desemprego a que o empregado teria direito, podendo gerar, portanto, redução de salário, além de redução de jornada.

Como antes afirmado a MP 936 reitera a violação diretamente o art. 7º, VI e 8º, III e VI da Constituição Federal.

A insistente conduta do governo de contrariar os direitos fundamentais dos trabalhadores acabou por gerar uma reação do STF, que foi instado a se manifestar sobre as medidas do governo pela ADI 6363, na qual foi sustentado que a MP 936/2020 viola os arts. 7º, VI, XIII e XXVI, e 8º, III e VI, da Constituição.

Algum alento à classe trabalhadora foi dado pelo STF quando foi proferida decisão liminar pelo Ministro Ricardo Lewandowski dando interpretação conforme à Constituição às normas da MP 936 e mantendo a validade dos acordos individuais até então celebrados, mas obrigando o chamamento do Sindicato à negociação coletiva.

Com o julgamento da ADI 6363 pelo Pleno do STF estabeleceu-se mácula brutal à última barreira constitucional estabelecida contra a redução de salários, ou seja, a necessidade de negociação coletiva, indispensável à efetivação da proteção do sindicato. A decisão do STF julgou improcedente a ADI 6363, afirmando a constitucionalidade da MP 936, com 8 votos a favor da possibilidade de redução de salários sem a fiscalização sindical, anulando a prerrogativa dos sindicatos de exercer a defesa da classe trabalhadora.

O STF, conforme deixam claros os termos dos votos dos ministros, Alexandre de Moraes, Roberto Barroso, por exemplo, estes que foram seguidos pelos demais, com exceção do Min Ricardo Lewandowski, Eduardo Fachin e Rosa Weber, partiram da idéia de que a única alternativa para o momento de crise seria a redução de salários e jornadas, bem como, que a participação dos sindicatos frustraria a necessidade de pronta resposta à crise.

Equívoco notório ou discurso falacioso e descarado para justificar a homologação da política ultraliberal do Governo? Ao mesmo tempo em que arrocham ainda mais a classe trabalhadora impedem os sindicatos de cumprir seu papel, contribuindo para a aniquilação destas entidades.

A garantia de participação dos sindicatos, insculpida do ar. 7º, VI representa a decisão do Estado de impedir que o trabalhador seja exposto à pressão individual e decorre da certeza da desigualdade de condições entre patrão e empregado. A submissão da proposta de redução salarial ao crivo sindical representa o reconhecimento de que o diálogo nas relações de trabalho deve ser tripartite, sindicatos, empregadores e governos e que não existe negociação individual justa.

O STF abre brecha irreparável na rede de contenção da barbárie representada pela superexploração e permissão de que o empregador decida que em momentos de crise poderá reduzir as jornadas e o salário dos trabalhadores como bem quiser. Foi riscada a norma que expressamente impede o que foi previsto na MP 936 e violadas as normas de direito internacional aos quais o Brasil deve submissão, por exemplo a convenção 98 da OIT.

Resta a pergunta, como bem colocou a Ministra Rosa Weber: O que mais poderá ser derrubado na próxima crise? Posto que a barreira que impunha o diálogo social consubstanciado na negociação coletiva ruiu frente a necessidade de preservação das atividades econômicas.

O STF ignora a certeza imposta pela realidade de que não existe negociação efetiva individual e convalida medidas que deveriam ser temporárias, mas que provavelmente terão seus efeitos prolongados em prejuízo dos trabalhadores, retirando o direito às férias, impondo horas extras sem pagamento, fixando o trabalho remoto, e, principalmente, achatando salários para o futuro, condições que importarão em precarização das condições de vida da classe trabalhadora e trarão consequências negativas por gerações.

Estamos portanto diante de situação drástica que pede a reação da classe trabalhadora.

O STF confirmou a medida do governo a partir da ideia de que a redução de salários e precarização de direitos trabalhistas são a única alternativa para enfrentamento da crise gerada pelo Covid-19.

Importa registrar que o Brasil está na contramão da medidas governamentais de atenção à classe trabalhadora neste contexto de combate a pandemia. Outros países entendem o diálogo social como fundamental, ouvem os sindicatos na busca de soluções para a crise, enquanto o Brasil atua para fragilizar e aniquilar os sindicatos.

Ou seja, prevaleceu a decisão de que a classe trabalhadora deve pagar a conta da pandemia, abrindo mão do diálogo social, retirando os sindicatos da mesa de negociação e impedindo a atuação decisiva nas questões relativas à vida da classe trabalhadora.

Impossível não reconhecer que tanto o governo quanto o STF abrem caminho para o rompimento acelerado da paz social, posto que a fome não espera. Se os trabalhadores não podem contar com seus sindicatos e os juízes estão privados da atuação contra os abusos patronais e desmandos do governo, resta aos trabalhadores se organizar e radicalizar a luta de classes. Portanto, é fundamental a unidade dos trabalhadores e o fortalecimento das entidades sindicais de modo a resistir aos ataques do governo e apresentar suas alternativas à crise.

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