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Caso da deputada eleita Ana Caroline Campagnolo

Por Emmanuel Martins (OAB/SC 23080), advogado/sócio do SLPG

No último dia 24/01 o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em decisão monocrática da Desembargadora Maria do Rocio Luz Santa Ritta, concedeu efeito suspensivo em agravo de instrumento (nº 40324505520188240000) interposto pela deputada estadual eleita Ana Caroline Campagnolo.

A decisão suspende os efeitos da liminar deferida em 1º/11/2018 na ação civil pública nº 0917862-17.2018.8.24.0023, onde o Juiz da Vara da Infância e da Juventude de Florianópolis, em decisão com efeito para todo o Estado de SC, determinou que a deputada eleita se abstivesse de criar, manter, incentivar ou promover qualquer modalidade particular de serviço de denúncia das atividades dos professores, uma vez que tal atividade seria própria das ouvidorias criadas pela Administração Pública.

A decisão proferida em novembro de 2018 determinou, ainda, que a deputada eleita retirasse de imediato a publicação em seu perfil do “Facebook”, através da qual, em contrariedade ao art. 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente, promovia a exploração política de crianças e adolescentes ao recomendar que os estudantes filmem ou gravem todas as manifestações de professores que, em tese, tenham conteúdo político-partidário ou ideológico contrários ao defendido pela deputada.

Em sua petição inicial o Ministério Público do Estado de SC, que é o autor da ação proposta contra Ana Caroline, afirma que:

a conduta da Requerida, ao recomendar a realização de filmagens nas salas de aula representa, exploração política dos estudantes, pois está ligada à intenção de deles tirar proveito, in casu, político ideológico, com prejuízos indiscutíveis ao desenvolvimento regular das atividades escolares, quer pelo incentivo à desconfiança dos professores quer pela incitação dos alunos catarinenses ao descumprimento da Lei Estadual n. 14.363/2008 (Documento n. 07), que proíbe o do uso de telefone celular nas escolas - públicas e privadas – no Estado de Santa Catarina. Outrossim, a Requerida age com crueldade, pois pretende compelir os estudantes catarinenses a atuarem como delatores de seus mestres em nome de um indisfarçado ideário político, tornando-os "agentes" ou "inquisidores" destes. Vale dizer, com sua atitude, intentou aniquilar as vontades daqueles que são alvo de cuidados especiais da Constituição e das leis, afligindo-os indevidamente (opressão).

Ainda de acordo com o Ministério Público, a publicação acima, aliada a outras mensagens encontradas no perfil de deputada na citada rede social, produz “intranquilidade e animosidade nos ambientes escolares, com danos incomensuráveis à educação”.

O julgado de 24/01/2019, por sua vez, anula a decisão do Juiz da Vara da Infância e da Juventude, de 1º/11/2018, entendendo não haver, nas ações da deputada eleita, ilegalidade alguma. Com isso foi autorizada a reinserção do conteúdo original da mensagem de Ana Caroline Campagnolo no “Facebook”.

A decisão baseia-se em dois fundamentos principais: 1) a de que não há nenhum impedimento legal ao particular para se tornar um ator social ou instrumento para receber ou transmitir denúncias às autoridades públicas; e 2) a de não haver empecilho de ordem legal para que o aluno grave as aulas ou os momentos, eventuais, em que esteja sofrendo em sua liberdade de crença e consciência.

Em relação à utilização do celular em sala de aula, a decisão relativiza a lei estadual que é expressamente proibitiva neste sentido, ainda que inexista declaração de inconstitucionalidade do todo ou de parte da norma.

No mais, parte da premissa, sem qualquer evidência nos fatos, de que de fato há alunos sendo submetidos, em sala de aula, a proselitismo político, e doutrinação ideológica com desrespeito à liberdade individual de crença e de consciência.

Quanto à utilização da rede social para exploração política das crianças e adolescentes e os prejuízos incalculáveis para o processo de ensino e aprendizagem produzidos pela intranquilidade e animosidade nos ambientes escolares a decisão silencia, limitando-se a afirmar de maneira breve que a ação não seria de competência do Juízo da Vara da Infância e da Juventude.

Todo o restante dos fundamentos da decisão da Desembargadora Maria do Rocio Luz Santa Ritta, com o devido respeito, constitui discussão sobre o que - de forma imprópria, em nossa avaliação - denominou-se de “Escola Sem Partido”, tema polêmico cujo debate não deveria ter assumido protagonismo na ação, que não tem essa matéria como objeto.

Por ser monocrática e ter resolvido apenas liminarmente a questão, a decisão do último dia 24 de janeiro, da lavra da Desembargadora Maria do Rocio Luz Santa Ritta, deve ser levada para apreciação da Terceira Câmara de Direito Civil, órgão colegiado que conta com a participação de outros desembargadores.

Os estabelecimentos de ensino estadual e municipais, assim como as Associações de Pais e Associação ou Sindicato de Professores, de acordo com a decisão, devem ser intimados para que, querendo, possam ingressar no feito.

O que parece que a Terceira Câmara de Direito Civil terá de decidir é se protege as crianças e adolescentes de uma violência que é concreta, a exploração indevida para fins políticos, conforme apontado pelo Ministério Público; ou se autoriza que uma agente política possa figurar como “ouvidora social” para supostamente preservar crianças e adolescentes de práticas que só estão presentes no imaginário e no discurso dos que pregam uma pseuda neutralidade no processo de ensino-aprendizagem.

Particularmente nos posicionamos a favor da proteção contra a violência que se apresenta de forma efetiva, em especial porque em relação às ilegalidades que possam ser praticadas por professores e professoras, o Estado já disponibiliza meios para denúncias.

De resto, ainda que nossa posição já seja conhecida entre os que acompanham nossa atuação e mesmo que o tema, como já dito, não devea assumir o centro da ação civil pública em trâmite no Tribunal de Justiça de SC, convém registrar que nos filiamos ao pensamento daqueles que, como o Professor Ricardo Marcelo Fonseca, entendem estar claro que __ninguém [é] a favor de “doutrinação” em sala de aula (embora hoje em dia haja gente que estenda demais a noção de “doutrinação”, até o limite do pitoresco), mas nos parece óbvio que qualquer restrição, controle ou censura de conteúdos ou à atuação de professores, em qualquer nível de ensino, é o exato oposto da ideia de educação, que pressupõe liberdade”.

E mais, “a premissa da “Escola sem partido” de que possa existir uma linguagem “neutra” e livre de politização é em si problemática: o ato do educador que exclui conteúdos é tão ideológico (ou partidário) quanto o ato que inclui conteúdos”.

As palavras do Professor Ricardo Marcelo Fonseca, reitor eleito para estar à frente da Universidade Federal do Paraná nos próximos anos, foram dadas em entrevista ao portal Plural e se coadunam com o que decidiu o Min. Luís Roberto Barroso, do STF, no julgamento da medida cautelar na ADI 5537 MC/AL - Alagoas, paradoxalmente utilizada pela Desembargadora Maria do Rocio Luz Santa Ritta em sua decisão.

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